*Texto apresentado na I Jornada de Psicanálise da Associação Psicanalítica de Itajaí em dezembro/2024.
Parafraseando o escritor Guimarães Rosa quando se refere à vida enquanto um rasgar-se e remendar-se, é possível aproximar esta reflexão quanto à formação do analista como um percurso singular de constantes transformações do conhecer e do ser.
Um caminhar que prevê movimentos diversos, ora experimentando encontros com pares, grupos de estudos, discussões e participações em seminários, jornadas e cartéis, ora em conversas consigo mesmo, na solidão de sua práxis analítica em consultório, entre pensamentos, elaborações, escrita, leitura, revisitando casos em andamento.
Parece inevitável para o analista em formação que desde sua análise pessoal, sente em suas entranhas um contínuo construir-se e desconstruir-se. Como uma trama, tecendo palavras, significantes, sentidos e não sentidos. O vir a ser de um analista vai desenhando um estilo próprio e um saber fazer ao escutar os sofrimentos que transitam em nossos cotidianos, deixando marcas na história de cada sujeito.
Nem de longe estar nesta posição é uma tarefa trivial. É preciso ocupar um lugar de uma escuta muito peculiar, uma maneira de estar com o sujeito em análise, muitas vezes, não verbal, em silêncio, ouvindo as nuances da letra, dos sentimentos e emoções como uma composição, uma música. Mas claro, estando atento à tensão flutuante, como um terceiro ouvido, que tenta captar alguma palavra plena nas entrelinhas do discurso.
Apesar da palavra formação remeter ao verbo formatar, tomar ou dar forma, estrutura, conceber ou ser concebido, adquirir conhecimentos, competências e habilidades, formar um analista não perpassa o ensino compulsório de disciplinas, trabalhos a entregar, notas e alcances de média, como algo performático.
Freud já nos alertava em 1919 que a Psicanálise contribui grandemente ao ensino universitário, porém a formação de um analista se dá em outras direções, em instituições e sociedades de psicanalistas e seu tripé: análise pessoal, estudos teóricos e supervisão de casos. Ou seja, é possível apostar: o analista em formação não estuda Psicanálise, ele vive a Psicanálise. Sente seus efeitos na carne, atingindo, sem aviso prévio, seu narcisismo, abalando crenças, achismos, perspectivas prontas de mundo, visão e opinião sobre diversas questões humanas que lhe atravessa: amor, ódio, dor, morte, vida, desejo, sexualidade, relacionamentos, família, figuras paterna e materna, filhos, inveja, soberba, medo, agressividade e assim por diante.
Nesta aventura, como já dizia Lacan, o angustiante não é falar em análise, mas sim escutar-se, o analista em formação vai se reinventando ao vivenciar os efeitos de sua própria fala, de sua história e de tudo que ficou registrado em seu viver. É preciso suportar a si para então ser capaz de sustentar uma análise para o outro.
Gradativamente, a lógica da análise implicada no ser, vai muito mais além do explicado, do transcrito, ela opera pela dimensão da ética dos desejos e da verdade do inconsciente do sujeito. O sujeito antes de estar em um percurso de formação, gozava de certezas, agora necessita gozar de um não saber, da douta ignorância, permitindo uma escuta cada vez mais aberta, desejante, ativa, porém esvaziada de razão e compreensão.
´É caro ocupar o lugar de analista. Ele paga com sua presença, mente, corpo e alma. No entanto, seu crescimento envolve a própria expansão de sua capacidade de sustentar o desconhecido, de estar vivo, de criar, de inventar, de vivenciar a experiência humana, de amar, de sonhar, de existir. Sujeito e figura de analista (sempre em formação, pois o inconsciente não cessa) estão imbricados, em transferência com a Psicanálise; um constante rasgar-se e remendar-se.